::Estrambote melodramático::

Querido diário,

voltei a ser o menino triste e estranho de antes. Aconteceu num tropico. Às vezes a gente tropica e continua andando, um pouco envergonhado. Em outras, cai. Nas vezes piores, cai com a mão em cima da merda de cachorro na rua. Depois da chuva. Ou durante a chuva. Tropiquei tem pouco tempo e me surpreendi. Não tremo, não temo, não gemo, pensei, fazendo cara de Tom Zé. Me senti maduro, enraivecido e indestrutível. Agora tropiquei de novo e caí.
E agora não sei.
Caí com a mão na merda molhada e provavelmente rasguei as calças no joelho, metaforicamente falando, que eu sei que você não é um diário muito perspicaz. Sinto vergonha, tristeza e aquele latejar típico de quem caiu e ralou a mão na calçada.
Tudo em mim dói e eu nem sei se o acento de dói caiu na reforma ortográfica. Eu sei que se eu fosse um sinal gráfico, seria um desses que caiu.
Passou a minha vontade de ler. Passou a de escrever. A escola, que vinha me fazendo tão bem, virou um momento constrangedor do dia. Observo meus colegas, mais de 10 anos mais novos que eu e me sinto envergonhado, tímido. Já não tenho pares.
No trabalho, os caciques tem mandado embora os funcionários inteligentes. Recomeçaram a reformar o centro cultural, mas só fiquei sabendo disso pela internet (mas o porteiro me jurou que tem pedreiros andando por aqui). Meu gerente quase não aparece. Minha gerente se foi.
Sem gerente, meu coração está desgovernado e anárquico. Meu coração é a turba. Faminto, incontrolável, burro, medroso, ataca o que é novo e diferente, se refugia em jogos sem sentido e frases de efeito. Meu coração é Legião. Não há quem lhe ponha ordem, não há Cristo que o expurgue de meu corpo.
Talvez, você pode estar pensando, haja sempre algo a ser dito ou a ser feito. Diário, confesso que concordo. Um bom começo me parece ser acabar com o drama. Mas preciso, primeiro, começá-lo. Deixá-lo fluir com sua infantilidade e inconsistência e só depois, quando estiver pronto, ironizar a situação e acabar com tudo.
Hoje voltei a ser o menino triste e estranho de antes. Meus brinquedos, que eu acreditava serem vivos, que tinham nomes e personalidades, foram todos quebrados. Meu universo fantasioso e colorido não passava de plástico. Era eu quem puxava as cordinhas, era eu quem desenhava as frases. Estou triste porque me disseram que fora da minha cabeça, a vida é delírio e idiotice. Me parece bastante razão pro drama. Não ria das metáforas de um sujeito com a mão metaforicamente bostada. E é só.