::Goodbye pork pie hat::

Pra variar chovia e fazia frio. Era noite também, o que costuma fazer diferença. A vida era ruim porque a chuva era verde, mas isso não era exatamente importante pro gordinho desajeitado que subia a rua. As roupas muito largas estavam ensopadas e ele andava lentamente, tremendo, carregando debaixo do braço um pedacinho de esperança, desse tipo ainda meio cru que a gente chama de sonho. Um gordinho triste se arrastava pela chuva com um sonho do qual havia se resignado a abandonar em algum canto. Não me perguntem que diabo de sonho era aquele, ou o porquê de abandoná-lo. Ninguém se lembrou de perguntar então. Mas não é assim simples e o gordinho subia a rua, uma avenida suja, sem pensar em nada, sentindo o peso de seus problemas ali, apertados em suas mãos macias e estufadas. Como ocorre nos momentos mais oportunos e mais inoportunos a avenida desertificou deixando-o sozinho com o verde da vida e o verde da chuva. Ele olhou prum lado ao mesmo tempo que soltava o sonho num canto qualquer. O lado era o que ele escolheu pra chorar. Era agora um gordinho solto na chuva chorando à porta de um edifício. Chorou pouco porque tinha vergonha e voltou a observar como as pessoas de repente voltavam a passar por ali. Num desses intervalos a gente se prende numa ou outra forma que se torna importante porque a gente se prende a ela sem um motivo espiritual aparente, apenas preso. Era uma moça esguia, de olhinhos de gato e gosto de doce de leite. debaixo de um pequeno guarda-chuva, ela fazia com o verde se escondesse nos cantos a invejando, apesar das milhares de garotinhas como ela, com seus olhinhos de gato e sabores de compota. Fixados como estamos é fácil perceber que ela nota o sonho do primeiro personagem na sarjeta e perde um infinitésimo de segundo pensando naquele sonho de uma forma qualquer. Ela para em frente a ele como se subisse a rua pra isso e não subiu. Apanha-o sabendo já o dono do sonho. “Isso é seu.” “É, mas eu não quero mais.” ” Não se abandonam sonhos, eu levo o seu sonho comigo.” O gordinho, muito em silêncio e muito sem ainda conseguir abandonar assim o sonho pelo que chorava mais cedo vai pra debaixo do guarda-chuva. Ainda se molha, mas é quente e ele pode ver as más cores que se escondem do lado de fora. Por um momento é noite, chove, faz frio e o mundo é triste, mas isso não importa. Nada importa, nada é o que é. Tudo tem gosto de doce de leite e todas tem olhinhos de gato. Mas a noite acaba e é dia. Nosso rechonchudo protagonista sai de casa e observa o sol, já sem nenhum sonho. Não pegou o endereço da mocinha e isso nem importa. Ele olha o sol e sabe que quem a trouxe foi a chuva, que ela provavelmente mora na chuva, mora no acaso dessas coisas que não se repetem. E ela é quem levou seu sonho embora e por um momento isso faz dele uma pessoa feliz e uma pessoa triste e nos momentos seguintes não poderemos determinar o quanto dessa felicidade é realmente responsável pela tristeza do presente.